isso é uma grande trapaça. começo a escrever esse texto na noite do dia 28 de dezembro, mas vou finalizar e enviar lá em janeiro.
o “lá” é bem real. o tempo parece que se arrasta quando está prestes a atravessar limiares importantes, essas datas que nos empurram para o conhecimento de nós mesmos. ou pelo menos para a nossa tentativa (ah, sempre imperfeita!) de chegar a uma conclusão sólida.
a pessoa que começou lá em 2022 com certeza não é essa que tá escutando Imagination de pijama na sala e escrevendo isso aqui. nã nã nã. é outra. e amanhã vai ser outra. e depois de amanhã. aham, isso aí.
esse é o começo da frase. é a gênese de um troço absurdo e fascinante. que medo da descida.

Notas sobre o mês de Janeiro
são sete da manhã de 4 de janeiro de 2023.
pra mim, janeiro sempre foi um mês importante, pois é quando faço aniversário.
lembro da minha mãe, enlouquecida durante dias na volta do forno, fazendo salgadinhos, puta da cara com coisas que saíam errado.
no fim, dava tudo muito certo. as garrafas de guaraná fruki estavam garantidas, o bolo também. crianças correteavam pelo pátio enquanto os adultos ficavam bêbados. nada mau para os anos 80. uma das minhas primeiras lembranças é do meu aniversário de 3 anos: a minha mãe com um bolo redondo enorme na mão, eu no outro braço.
janeiro é o entre-lugar. aqui nesse texto da Aline Valek, sobre Jano, vemos que janeiro é o limiar, é a própria transição. muito cedo pra dizer que 2022 é ano passado, muito tarde pra não admitir que 2022 já passou.
Certa vez, Jano recebeu em sua humilde residência o deus Saturno, expulso de casa por seu próprio filho, Júpiter. Não que Saturno fosse um paizão exemplar, já que era conhecido por devorar seus filhos vivos. Jano, que era muito gente fina, ofereceu sua hospitalidade ao deus do tempo. Em agradecimento, Saturno deu a Jano o poder de ver, simultaneamente, passado e futuro.
Uma cabeça olha para o que passou; a outra, para o que está por vir. Jano é velho e é moço. É guerra e é trégua. É o terreno que existe entre a barbárie e a civilização. É o batente da porta, é dentro e é fora. É o cara das transições e transações. É as duas faces da moeda.
Aline Valek no referido texto.
a gente sabe (suponho, ao menos) que “continua tudo a mesma coisa”. que nada de tão substancial muda só porque bateu meia-noite e um no relógio e contamos mais um ano. porém, são ritos de passagem necessários. especialmente esse ano, primeiro de janeiro trouxe um oceano de sentimentos bons. eles não vão durar pra sempre, mas varrer a energia ruim já nos dá um gás. é como diz a karol conká: limpa, limpa, limpa.
daqui a pouco a gente pisca e é carnaval, dorme um pouco e já é julho, um pouquinho mais é dezembro de novo. por ora, quero ficar aninhada no entre-lugar de janeiro, quero essa sensação de que tudo está em suspenso (menos os boletos, damn it) e que tudo é possível, pois há muito tempo pela frente.
o ano começou calminho. ainda não concluí nenhuma leitura, pois estava disposta a não me cobrar tanto logo de cara.
continuo com Anna Kariênina (passei das 500 páginas, yay) e comecei, a passos muito lentos, e essa é a ideia, a reler The New York Trilogy, do meu grande supremo Paul Auster. a primeira leitura foi feita em portuguès, mas agora decidi ler em inglês e isso toma um tempinho a mais porque gosto de apreciar os traquejos linguísticos do Auster, a escolha do vocabulário, a sonoridade. o mais bizarro e delicioso é descobrir o tanto de coisa que se conecta em A invenção da solidão, Diário de Inverno e Todos os poemas.
o último livro que li em 2022 foi Esboço, de Rachel Cusk. o livro é parte de uma trilogia de mesmo nome e é ótimo de ler.
a protagonista é uma escritora e a história é basicamente o percurso de sua relação com as outras pessoas, ainda que seja contada por sua própria voz. temos acesso não a um evento específico do tipo “protagonista vai para tal lugar atingir esse objetivo”, mas sim “a protagonista se relaciona com pessoas e extrai delas muitas histórias, são conversas e acessamos essas conversas”. é, resumindo, um livro sobre histórias, sobre escrita e sobre linguagem.
a primeira música que ouvi hoje vai ser a recomendação da primeira news de 2023. recebam tangerine, da banda (?) Glass Animals. enjoy it.
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não posso deixar de agradecer todo mundo que mandou mensagem (via e-mail, comentário ou no insta) falando sobre a mudança do nome da news. que bom que curtiram. o nome é diferente, mas o bonde é nosso.
beijo e até a próxima semana!
Sue ⭐