vencer o poço
um vulcão chamado Brasil
olá,
quem é brasileiro e tem um pingo de decência, consciência de classe e noção a respeito do funcionamento da vida em sociedade com certeza está em estado de alerta por conta das eleições que se aproximam. eu tô que não me aguento, a ponto de sonhar com esse clima de votação: nem meu inconsciente tá dando conta disso. é preciso avançar, vencer. não quero deixar ninguém mais nervoso ainda, por isso vou falar um pouco sobre arte, garimpo e a possibilidade de sonhar novos futuros.
essa carta não estava prevista.
apesar do bonde ser uma publicação semanal, achei que deveria e poderia ficar em silêncio às vésperas de uma eleição tão fundamental quanto a que teremos em alguns dias.
não há espaço nessa newsletter para compartilhar com vocês o que foi o inferno desses quatro anos sob a autoridade daquele que não se fala o nome. a esperança é um sentimento traiçoeiro, pelo menos pra mim: quando ela começa a brilhar muito forte, bate um medo aqui dentro. é como se a gente tivesse desaprendido a ansiar pelas coisas boas.
o que desencadeou a escrita dessa carta foi uma obra que vi na 13ª Bienal do Mercosul que está acontecendo em Porto Alegre (até o dia 22 de novembro) em diversos locais espalhados pela cidade.
Um garimpo de si é de autoria de @adrianna.eu e está exposta no Cais Embarcadero.
na descrição, adrianna diz:
Garimpar deriva de grimpar- subir por terreno difícil.
Eu sempre me pergunto se há terreno mais assustador do que aquele que nos leva a nós mesmos.
pra mim, garimpar era apenas escavar - talvez pela referência visual que tenho da retirada do ouro das entranhas das águas (embora não só na água). garimpar é um ato de dificuldade, é um ato de esforço - o que é escondido é forçosamente trazido à luz. dois anos de uma pandemia que está longe de ficar no passado mostraram o quanto é difícil fincar os pés no terreno que é sermos nós mesmos.
gosto de pensar que nós (a gente) e nós (cordas, cadarços, amarras) são a mesma coisa ou, pelo menos, funcionam do mesmo jeito. subir por terreno difícil pode ser também um movimento para desenredar os fios. ou, quem sabe, compreender as complexas conexões mesmo quando tudo parece um emaranhado confuso e sem saída.
mas voltando ao que estava dizendo…
confinados, nossos passos começaram a pisotear nossos traços mais profundos, nem sempre com delicadeza. ninguém está se recuperando bem disso: uma presidência ridícula, lamentável e assassina somada a uma pandemia cujas consequências foram desastrosas no mundo inteiro.
tivemos um puta azar. se eu acreditasse em deus, jamais diria que ele é brasileiro. ou, então, diria que em 2020 ele resolveu encarar sua faceta “velho testamento” e lascar com o povo de vez.
não existe nada de bonito e edificante no sofrimento. “o sofrimento me ensinou”, dizem. eu fico pasma com o quanto as pessoas se baseiam na lógica do sofrimento, quase como se o sofrimento ele mesmo fosse uma espécie de deus, uma moeda de troca que vai valer lá na frente, quando a pessoa morre.
nada vai se resolver num passe de mágica. vamos acordar no dia 3 de outubro ainda com jair assombrando os nossos piores pesadelos. porém, a mensagem do ódio e da imbecilidade vai dar lugar (preciso acreditar) a pelo menos uma intenção mais otimista (sim, considerando todos os problemas de como se faz política no Brasil e em qualquer lugar do mundo). eu sinto uma pontada no coração por ver esse dia se aproximando, eu sinto uma pontada no coração com o fim desse período maldito.
uma frase que muito se falou nos últimos tempos é que a crise não é só política como também estética.
que a gente tenha a oportunidade de circular por espaços cujas estéticas ainda sejam de um rompimento com tudo aquilo que represente essa ideologia neoliberal fascista é uma das tabuinhas de salvação que estão aí.
nem todo mundo tem acesso, infelizmente, e isso é um projeto e não um acaso do destino. um evento foda como a Bienal acontecendo de forma gratuita e me pergunto se a população das regiões periféricas da capital possuem qualquer incentivo (informação, passe livre no transporte público) pra visitar esses espaços. desconfio saber a resposta, não.
vamos subir por terreno difícil pelos próximos dias, anos; não acredito em paz no sistema capitalista, apenas alguns momentos de letargia, uma suspensão que a gente alcança com o que nos ensinaram que é bom: assistir Netflix, beber uma cerveja ou comprar bugigangas no shopee. e tá tudo bem (bem ruim).
mas fica aí a reflexão, gente. eu tô otimista. mesmo com medo, tô com esperança no coração.
tem muita coisa bacana rolando nessa Bienal, por isso fica aí a dica de quem vai passar por Porto Alegre nesse período (até 22 de novembro). a entrada é gratuita em todos os espaços.

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bêjo,
Sue ❤⚡



