e se fosse possível, de fato, ter tudo? have it all?
(parêntese) a combinação em português fica de uma feiuria fonética (ter tudo que, eventualmente, se transforma em “tê-tudo”), por isso prefiro o inglês: have it all (réviról).
na carta passada, apontei o quanto algumas coisas que nos são oferecidas estão vindo em porções menores, por razões não lá muito nobres. comentei (e se não o fiz, faço agora) que veria vinte temporadas de Ted Lasso se fosse possível. a série poderia explorar vários personagens (só de jogadores são 11). eu queria poder ter mais. tudo.
nesse feriadão lindo que jesus fez o grande favor de nos conceder, fiz muitos nadas e nesses períodos assisti coisas bem bacanas em termos de séries. duas delas desencadearam o tema dessa news e elas estão disponíveis na Apple TV+.
comecei com a máquina do destino (The Big Door Prize, em inglês) protagonizada por Chris O’Dowd no papel de Dusty, um professor de história que acaba de fazer 40 anos e resiste à tentação de usar a máquina MORPHO - uma espécie de arcade que, após coletar seu número social (o CPF, no caso) e suas impressões digitais, emite um cartão dizendo qual é o seu potencial de vida. a cidade inteira está enlouquecida com essa máquina (surgida sabe lá de onde), mas Dusty não acredita em sua autenticidade, tampouco que ele precise descobrir algo sobre seu futuro. porém, a curiosidade fala mais alto e ele quer saber, enfim, qual seu propósito.
uma coisa interessante dessa série é que as pessoas, a partir daquilo que encontram no cartão, decidem mudar toda a sua vida para fazer com que o escrito seja compatível com o vivido. afinal, se o propósito da vida é ser, digamos, escritora, então por que não escrever? essa mudança nem sempre se dá de forma literal ou drástica.
temos, assim dois grupos principais: os personagens que enfrentam dramas a respeito de como interpretar o que foi dito pela máquina, e outros que se atiram de cabeça (às vezes literalmente) para seguir o futuro anunciado.
é o caso da mãe de Dusty, que decide se divorciar do pai dele para ser uma curadora espiritual na europa, enquanto o pai dele deve perseguir a carreira de modelo. sim, nesse nível.
não é uma série exclusivamente sci-fi e nem exclusivamente comédia e eu gostei de ter esses dois elementos dosados, pois explora obsessões bem recorrentes:
saber o que acontecerá no futuro;
encontrar - e viver corretamente! - o nosso propósito/potencial na vida.
os episódios são liberados semanalmente, toda quarta (se não me falha a memória.
avaliação: 4 ⭐
olá, amanhã (Hello, tomorrow, em inglês) é a série que me fez pensar mais profundamente sobre o tema da news. Billy Crudup interpreta Jack Billings, uma espécie de corretor de imóveis, líder de uma equipe, que trabalha para a empresa Brightside, a qual possui casas maravilhosas para famílias de classe média ali na lua.
sim, você leu certo, na lua.
para além da especificidade dessa organização social (uma estética 1950-60 em um mundo similar ao dos Jetsons em muitos aspectos), é preciso prestar atenção nas palavras de Jack: we can have it all. em um mundo onde as máquinas fazem boa parte do trabalho chato, por que não morar na lua?
a partir dessa singela frase, fiquei pensando se é possível, de fato, have it all e se, assim for, qual o tudo que podemos e que queremos?
acho muito complexa essa questão, pois somos seres repletos de faltas.
obviedades, obviedades.
dentro de um sistema organizado em hierarquias e mediado pelo capital o tempo inteiro, as nossas escolhas são limitadas e a nossa vontade se direciona apenas em uma direção: para cima (ou para frente).
assim, o “tudo” é sempre disforme e é por isso que o capitalismo é tão fascinante em sua capacidade de se retroalimentar: em um mundo onde as pessoas não sabem exatamente o que é esse tudo, qualquer produto - ou produtos, ou realidades vendidas - pode se transformar no objeto do desejo.
esse objeto é o que fará com que saiam de suas camas para empregos odiosos, é o que fará com que estourem o limites de todos os cartões de crédito, fará com que acreditem que, na vida, o sucesso é se doar todo e por completo pelo tudo. o tudo sem nome, sem contorno, sem substãncia.
mas eu só tô pensando alto aqui.
a série se mostra sobre um assunto diferente daquilo do que somos levados a crer, mas não quero estragar a experiência dos potenciais telespectadores. pra mim foi muito mágico quando a realidade da série se desvelou.
os dez episódios que compõem a primeira temporada estão disponíveis.
avaliação: 4 ⭐
finalizados ✅
a releitura de a promessa/a pane, do friedrich dürrenmatt, resultou na seguinte review atualizada:
o problema de reler essas duas histórias é que o prazer do espanto nos é roubado, restando apenas a experiência de análise da construção dessas histórias para abordar questões de justiça, moralidade e acaso - temas tão centrais na obra de Dührrenmatt. daqueles livros que eu gostaria de "desler", só pra ter o gosto da descoberta novamente.
o olho, de vladimir nabokov
um belo dia olhei para minha estante abarrotada de livros e pensei: vou pegar qualquer coisa aleatória aqui. assim, justifico a leitura desse breve livro de nabokov. talvez pela impulsividade eu não tenha me conectado tanto com a história, embora o começo seja bem empolgante. depois a gente fica meio na dúvida sobre o que tá acontecendo. daí, descobri que a dúvida não era só um desleixo da minha pessoa com a obra, essa dúvida é uma realidade.
smurov é um imigrante russo em berlim passando por dificuldades financeiras (claro), que se envolve com uma mulher casada e toma A SURRA do marido dela. humilhado, o smurov decide que tá na hora de deixar a vida e se mata (isso é o básico do básico do livro). o que vem depois, é história.
dito isso, estou em estado de ressaca literária. relendo poemas do paul auster de modo aleatório, pelo simples fato de que não consigo me desprender da cadência que esse homem colocou em mim. está sendo interessante pensar sobre isso, sobre esse magnetismo da palavra, o magnetismo do ritmo e da substãncia da linguagem.
vamo mais uma semaninha de steve lacy? bora?
estou ouvindo no repeat a música bad habit, mas indico a playlist this is steve lacy no spotify com os grandes hits desse maravilhoso.
merchan do ruído branco
mais uma vez passando pra avisar que o ruído branco pode ser adquirido comigo se você mora ou está em porto alegre. demais partes do brasil podem encontrar essa belezinha no site da gênio editorial.
é isso, meu povo
see ya!
sue ⭐